O Tema 210 do STF e o transporte de carga

No último dia 20 de fevereiro, o Plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento de recurso – ARE 1372360 ED-ArR-EDv-AgR – sobre o regime jurídico a ser aplicado ao transporte aéreo internacional de carga, considerando o disposto no artigo 178 da Constituição Federal e sua interpretação consolidada no Tema 210 de sistemática de repercussão geral do mesmo tribunal.

Mais precisamente, discutiu-se se, no transporte aéreo internacional de carga, a limitação do valor da indenização em casos de dano (destruição, perda, avaria) ou atraso prevista no item 3 do artigo 22 da Convenção de Montreal (17 direitos especiais de saque por quilograma salvo se apresentada prévia declaração especial de valor) deve prevalecer ou não sobre a regra geral da reparação integral consagrada no Código Civil Brasileiro (art. 944).

O julgamento ocorreu no Plenário virtual do tribunal e, por 7×3 votos, prevaleceu o entendimento pela primazia das convenções internacionais sobre as regras do Código Civil Brasileiro para a disciplina da responsabilidade patrimonial do transportador no transporte aéreo internacional de cargas. E, também restou reconhecida a completa harmonia de tal conclusão com aquela veiculada no Tema 210 porque, segundo o entendimento prevalente, ambos os julgamentos cuidaram da incidência do disposto no artigo 178 da Constituição Federal para disciplinar a responsabilidade patrimonial do transportador e, nesse contexto, não se justificaria qualquer diferenciação entre bagagem e carga.

Tal como no Tema 210, o voto do Ministro Gilmar Mendes foi importante para a definição do julgamento, tendo sido escolhido o redator para o acórdão (ainda não publicado).

Nesse momento e sob a perspectiva restrita desse espaço de análise, importa destacar que nesse julgamento o Supremo Tribunal Federal cumpriu, de forma satisfatória, com seu dever legal de uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

Com efeito, o disposto no artigo 178 da Constituição Federal preconiza claramente a prevalência dos tratados internacionais para disciplina do transporte aéreo internacional como decorrência natural da especialidade do assunto e da necessária segurança jurídica para o setor, a qual não pode ser comprometida em caso de conflito com a legislação local de cada país.

No âmbito do transporte de carga, o Superior Tribunal de Justiça já possuía significativos precedentes a respeito, merecendo destaque o Recurso Especial nº2.034.746-SP, em que foi Relatora a Ministra Nancy Andrighi. Também significativa doutrina especializada não vislumbrava qualquer razão para fazer prevalecer as disposições do Código Civil (ou do Código do Consumidor) sobre o transporte aéreo internacional.

Em conclusão, nesse julgamento o STF se manteve fiel ao fundamento constitucional primaz da questão, a saber ao disposto no artigo 178 da Constituição Federal para dirimir qualquer conflito entre normas. E nesse passo, há lugar para uma única ressalva que não pode ser desprezada para a coerência e unidade da aplicação do Direito. O julgamento em questão reafirmou a polêmica distinção entre responsabilidade patrimonial e responsabilidade extrapatrimonial como critério fundamental para definir a incidência do artigo 178 da Constituição Federal, de modo que a aplicabilidade da Convenção de Montreal estaria restrita aos casos de responsabilidade patrimonial do transportador, seja de carga, seja de bagagem. Por conseguinte, eventual responsabilidade civil do transportador por dano extrapatrimonial no transporte internacional de carga ou de pessoas estaria submetida à disciplina do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor, respectivamente. Todavia e com o devido respeito ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, a exemplo da distinção entre bagagem e carga, o disposto no artigo 178 da Constituição Federal não autoriza a distinção entre dano moral e dano patrimonial para definição do regime jurídico de responsabilidade do transportador no transporte aéreo internacional.

Cid Pereira Starling | Advogado de Di Ciero Advogados