Os impactos da reforma tributária na importação e no extravio de mercadorias

A Reforma Tributária surge como um anseio da sociedade em torno de regras mais justas e claras em torno do Sistema Tributário Nacional, evitando-se distorções, exceções e pautando-se pela simplicidade e transparência. Como apontado pelo Secretário Extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, o objetivo é o de reduzir a sonegação, as hipóteses de fraude e a inadimplência, com a imposição de uma alíquota média de 26,5% a partir da unificação em especial do ICMS e do ISS no IBS, e da contribuição ao PIS e da COFINS na CBS.

Ainda segundo a comissão responsável pela formulação da proposta que resultou no PLP nº 68/2024, a Reforma Tributária será clara e emprestará segurança jurídica ao contribuinte, estando a proposta alinhada com o padrão internacional de tributação do consumo.

Nesse artigo, buscarmos tratar sobre a proposta de tributação do comércio exterior na importação e no extravio de mercadorias, que apresenta impacto potencial no setor, em especial no caso de mercadoria não identificada, de interesse de importadores em geral e mesmo das empresas de transporte aéreo que atuam na qualidade de responsáveis tributários nos termos do art. 24 e do art. 68, I do PLP nº 68/2024. A partir disso, deve-se ter especial atenção às regras da Reforma Tributária nesses casos e principalmente no que diz respeito ao período de transição e concomitância de sistemas.

A sistemática atual no extravio de mercadoria e a hipótese de mercadoria não identificada

De acordo com a previsão do artigo 72, § 1º. do Regulamento Aduaneiro, o fato gerador do Imposto de Importação – II ocorre presumidamente a partir do extravio de mercadoria, sendo também o caso do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI (art. 238, § 1º., do Regulamento Aduaneiro), da Contribuição ao PIS/Pasep e a COFINS (art. 251, § 1º. do Regulamento Aduaneiro). No caso de extravio devidamente comprovado, já que os casos de erro inequívoco ou comprovado de expedição afastam a possibilidade (art. 649, II do Regulamento Aduaneiro), o lançamento dos tributos incidentes na importação deve ser realizado de acordo com a natureza específica da mercadoria extraviada, aplicando-se as alíquotas devidas em relação aos tributos mencionados, além, de Multa sobre o Imposto de Importação – MULTA II (702, III, c do Regulamento Aduaneiro).

Nos casos em que, no extravio, a mercadoria não for identificada, aplica-se atualmente a sistemática do art. 67 da Lei 10.833/2003, que impõe que o lançamento será feito por arbitramento, sendo aplicada, para fins de determinação dos impostos e dos direitos incidentes na importação, alíquota única de 80% em Regime de Tributação Simplificada – RTS que engloba o II, o IPI, a Contribuição ao PIS/Pasep, a COFINS e o Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante – AFRMM. A base de cálculo, em razão da impossibilidade de identificação da mercadoria, é arbitrada de acordo com a sistemática prevista na mesma Lei 10.833/2003, considerando a mediana dos valores e tendo em vista o peso de todas as mercadorias importadas, pela mesma via de transporte internacional, no semestre anterior ao suposto transporte (data do manifesto).

Dessa forma, além da cobrança estar restrita aos tributos federais, também não deve incidir a referida multa sobre o II (art. 702, III, c do Regulamento Aduaneiro) no extravio de mercadoria não identificada, já que é impossível, no lançamento arbitrado, a individualização do valor específico a título de II para a finalidade de identificar a base de cálculo da penalidade. Sem prejuízo das inúmeras questões em torno da metodologia adequada para o lançamento no extravio da mercadoria não identificada, o que tem gerado, já na sistemática atual, alto grau de litigiosidade entre os contribuintes e o fisco na atualidade.

A tributação do comércio exterior e o extravio de mercadoria na Reforma Tributária

De outro lado, a partir do PLP nº 68/2024 (Reforma Tributária), foi prevista a incidência do IBS e da CBS sobre a importação de bens ou de serviços do exterior (art. 57), cuja base de cálculo (art. 64) é o valor aduaneiro da mercadoria acrescido de Imposto de Importação – II, Imposto Seletivo – IS, Taxa Siscomex, Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante – AFRMM, CIDE, direitos antidumping, compensatórios, medidas de salvaguarda e quaisquer outros impostos, taxas, contribuições ou direitos incidentes sobre os bens importados até a sua efetiva liberação.

Sendo que as incidências dos tributos em questão (é dizer, do IBS e da CBS na importação) ocorrem, também aqui, no extravio de mercadorias (art. 59, § único), o que, por si só, representa aumento da carga tributária total do lançamento, já que o IBS, com alíquotas mais elevadas, unificou o ISS e o ICMS. Além disso, o PLP nº 68/2024 prevê, no extravio, a aplicação das maiores alíquotas vigentes da CBS e do IBS na impossibilidade de identificação da mercadoria (art. 66, § 2º), bem como altera a redação do art. 67 da Lei nº 10.833/2003 (art. 470) para estabelecer alíquota de 70% para lançamento, no extravio de mercadoria não identificada, do Imposto de Importação – II (35%) e do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI (35%).

Trata-se de ponto de atenção em relação às regras da Reforma Tributária sobre a tributação no comércio exterior, em especial do art. 66, § 2º. do PLP nº 68/2024 (que determina a incidência do IBS e da CBS no extravio de mercadoria) e do art. 67 da Lei nº 10.833/2003 (na redação do PLP nº 68/2024 – que impõe o lançamento, no extravio, do II e do IPI). Dessa forma, ademais da necessidade de observação das regras constitucionais sobre o Sistema Tributário Nacional, e dos próprios limites da Emenda Constitucional 32/2023 no que diz respeito ao Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, por exemplo, a proposta da forma como foi elaborada tem a capacidade de resultar no aumento significativo da carga tributária na importação, em especial no caso de fato gerador presumido em decorrência do extravio de mercadoria transportada ao território nacional.

A proposta inserida no PLP nº 68/2024 deve pretender, como considerado por ocasião da Emenda Constitucional 32/2023, tornar o ambiente mais justo, equilibrado e competitivo, sendo especialmente relevante o período de transição e posterior. Nesse contexto, é importante que a questão seja devidamente considerada para direcionamento dos debates no Congresso Nacional, não sendo o setor excessivamente onerado e evitando desvio de finalidade na tributação do comércio exterior, e considerando os impactos financeiros em um setor especialmente afetado pelos custos operacionais e pela alta judicialização.

Paulo Stipsky | sócio de Di Ciero Advogados