Carf define que drones não são câmeras digitais, mas veículos aéreos
A classificação fiscal de drones tem sido um tema de grande relevância no cenário tributário e aduaneiro brasileiro. O recente julgamento no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que reconheceu os drones como veículos aéreos não tripulados, enquadrando-os na posição NCM 8802, é um marco para o setor. A decisão beneficia diretamente os contribuintes ao reduzir a carga tributária, visto que os produtos classificados nessa posição estão sujeitos a alíquotas zero de Imposto de Importação e uma alíquota de 10% para o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), ao contrário do que ocorreria se os drones fossem classificados como câmeras fotográficas.
Essa questão vai além de um aspecto meramente técnico, refletindo significativas implicações econômicas e operacionais. Os drones, que são equipamentos multifuncionais, são empregados em uma ampla gama de atividades, que incluem desde filmagens para eventos sociais e coberturas jornalísticas, até monitoramento de fronteiras, combate a incêndios e envio de mercadorias. Todas essas funções envolvem operações diversas, mas sempre realizadas no contexto de voo. Diante de tal diversidade de uso, o debate sobre sua classificação fiscal ganhou contornos acentuados entre o Fisco e os contribuintes.
Considerando essa complexidade, é crucial entender as características técnicas dos drones e as normas estabelecidas pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) e pelo Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA), que classificam os drones como veículos aéreos não tripulados (VANT) ou veículos aéreos remotamente pilotados (VARP), o que influencia diretamente tanto a sua regulamentação quanto o tratamento fiscal.
A divergência sobre o tema surgiu porque, segundo a Receita Federal do Brasil, a classificação correta é “câmera fotográfica” em vez de “aeronave remotamente tripulada”, o que afeta diretamente a carga tributária. Contudo, a decisão do Carf, apoiada por normas técnicas, regulamentações da ANAC e pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, reconheceu que a função primordial do drone é o voo, com a câmera sendo um acessório secundário. Essa decisão, ao classificar os drones na posição 8802, corrobora o entendimento de que drones são, de fato, veículos aéreos.
Em diversos países ao redor do mundo, a classificação e a regulamentação de drones tendem a seguir uma linha semelhante à adotada pelo Brasil. Na Argentina, por exemplo, os drones são definidos como veículos aéreos não tripulados, e a Administração Federal de Ingressos Públicos (AFIP) adota normas que se alinham com o entendimento brasileiro.
Nos Estados Unidos, a Federal Aviation Administration (FAA)[1] também define os drones como veículos aéreos não tripulados, regulando seu uso no espaço aéreo.
Por fim, vários países da Europa compartilham dessa perspectiva. Na Itália, a regulamentação define os drones como veículos aéreos não tripulados, uma classificação realizada pelo Ente Nazionale Aviazione Civile (ENAC)[2] em conformidade com as normas da Agência Europeia para a Segurança da Aviação (EASA)[3].
Ou seja, a interpretação do CARF sobre a definição dos drones reflete uma abordagem que já vem sendo adotada globalmente. Além disso, no contexto brasileiro, esse entendimento já estava se consolidando em outras esferas, corroborando a decisão recentemente proferida.
Nesse contexto, um caso análogo foi julgado pela 12ª Vara Cível Federal de São Paulo, no TRF da 3ª Região. Nessa decisão, a juíza declarou a nulidade da Instrução Normativa RFB nº 1.747/2017, que atribuía aos drones a classificação de câmeras fotográficas. A magistrada argumentou que a norma era ilegal por não considerar a característica principal dos drones, que é a sua capacidade de voo. Essa decisão reforça a argumentação de que a classificação mais adequada para os drones é como veículos aéreos, conforme a posição NCM 8802.
A classificação de drones também foi tema trazido pela Solução de Consulta COSIT nº 98439/2019, que enquadrou um helicóptero teleguiado de quatro rotores, conhecido como “drone” ou “quadricóptero”, na posição NCM 8802.11.00. Esse parecer fortalece a argumentação de que, apesar da possibilidade de acoplar câmeras digitais, a função primordial desses equipamentos é o voo, confirmando sua natureza como veículos aéreos. Dessa forma, a decisão consolida a interpretação que favorece uma tributação mais benéfica para o contribuinte.
A regulamentação pela ANAC é um ponto crucial para entender o contexto mais amplo. A agência regula a operação de drones no Brasil, impondo restrições e normas quanto ao seu uso, especialmente em áreas próximas a aeroportos ou regiões com grande circulação de pessoas. Isso reforça ainda mais o entendimento de que os drones são aeronaves, e não simples câmeras, dado o alto potencial de impacto que essas máquinas podem ter no espaço aéreo.
A decisão do Carf, portanto, não só favorece o contribuinte ao afastar autuações e reduzir o impacto tributário, como também alinha a interpretação fiscal com a realidade operacional e regulamentar dos drones. A classificação dos drones como aeronaves na posição 8802 assegura não só as isenções e benefícios fiscais para as empresas, como também reduz a insegurança jurídica até então prevalente.
Vitória Oliveira Barbosa | Advogada de Di Ciero Advogados