O combustível para o transporte aéreo e a Lei Complementar 214/2025
Com a implementação do novo sistema de tributação do consumo desenhado pela EC 132/2023, LCP 214/2025 e demais normas que ainda estão por vir, as companhias aéreas estrangeiras e nacionais enfrentarão um cenário desafiador, visto que o transporte aéreo de passageiros e internacional de cargas, que praticamente não são tributados, foram incluídos no regime normal de tributação pelo IBS e pela CBS, salvo um pequeno destaque feito para a aviação regional.
Em decorrência de boa parte de suas operações serem desoneradas, apenas as companhias aéreas que realizam o transporte doméstico de cargas possuem o costume de apropriar créditos de ICMS na aquisição de combustível, uma vez que podem utilizá-los para abater o tributo devido nas etapas seguintes[1].
Ainda assim, a aquisição de combustível por companhias aéreas também é desonerada no atual sistema, visto que as vendas de combustível, a ser consumido em aeronaves em tráfego internacional, são equiparadas à exportação, além de que a maioria dos estados oferecem benefícios fiscais de redução da base de cálculo do ICMS na aquisição de querosene de aviação, mediante o cumprimento de alguns requisitos.
Tais medidas são importantes para a democratização do transporte aéreo, visto que, de acordo com os indicadores de 2022 divulgados pela ANAC[2], o combustível representava aproximadamente 36% do custo operacional de uma companhia aérea, setor que também sofre com dívidas altamente dolarizadas em meio à desvalorização constante do real.
Com a entrada em vigor do IBS e da CBS, os benefícios fiscais de redução da base de cálculo do querosene de aviação tendem a ser extintos e todas as companhias aéreas devem ficar atentas ao modelo de não cumulatividade dos novos tributos para reduzir o impacto da tributação em sua operação.
Considerando que as operações serão tributadas, as companhias aéreas passam a poder se apropriar de uma parcela maior dos tributos incidentes na aquisição de combustível, que atualmente se limitam proporcionalmente ao transporte doméstico de cargas e que, de acordo com a Lei Complementar nº 214/2025, terá a tributação concentrada apenas em uma fase da cadeia produtiva ou comercial (art. 172).
Apesar da jurisprudência ser favorável, alguns estados insistem em classificar o combustível adquirido pela transportadora aérea como bem de uso e consumo, o que pode resultar na transferência do contencioso sobre essa matéria no ICMS para a CBS e o IBS, visto que a LCP nº 214/2025 mantém a vedação à apropriação de créditos nas aquisições para uso e consumo (art. 47), embora nos pareça dar menos margem para esse tipo de interpretação ao trazer expressamente a previsão de que a aquisição de combustíveis por contribuinte regular dá direito ao crédito (art. 47, §4º e 5º c/c art. 180, §1º), além de não ter sido especificada expressamente no artigo 57 como bem de uso e consumo pessoal.
Em relação aos transportes internacionais, embora o art. 98 da LCP nº 214/2025 tenha previsto expressamente que o fornecimento de combustível para Aeronave em Tráfego Internacional fica equiparado à exportação e, consequentemente, desonerado do IBS e da CBS, foram impostos alguns requisitos, são eles:
i) A aeronave deve estar em tráfego internacional;
ii) A aeronave deve possuir como destino o exterior; e,
iii) O abastecimento deve ser realizado exclusivamente em zona primária alfandegada.
Cria-se aqui uma dúvida sobre a possibilidade de companhias estrangeiras aproveitarem essa desoneração quando realizam o abastecimento de aeronave que, antes da partida ao exterior, façam outras paradas no Brasil, como é comum ocorrer no transporte de cargas.
Em nossa opinião, a melhor leitura é de que mesmo nesses casos a aquisição deve ser desonerada, uma vez que as companhias estrangeiras não possuem autorização para operar no mercado doméstico e, por isso, ainda que façam paradas em território brasileiro, suas aeronaves sempre estão em tráfego internacional e com destino ao exterior.
A norma também estabelece que os biocombustíveis terão alíquotas diferenciadas, que poderão variar entre 40% e 90% das alíquotas aplicáveis aos combustíveis fósseis comparados (art. 175), conforme ainda será definido em regulamento.
Um último desafio será a gestão de créditos acumulados, ou seja, quando eventualmente companhias aéreas possuam mais créditos do que débitos. A LCP 214/2025 autoriza que, nesses casos, seja requerido o ressarcimento, mas a experiência revela que esse procedimento nem sempre é facilitado pelo fisco e contribuintes ficam com grandes quantias de “créditos mortos”, sem que consigam compensar ou serem ressarcidos em dinheiro.
Ultrapassada a fase de discussão dos pilares da Reforma Tributária, as companhias aéreas passam a ter que se preparar para esse novo sistema, que exigirá um maior controle administrativo para o aproveitamento da não cumulatividade plena e, com isso, evitar o recolhimento de tributos desnecessariamente.
Douglas Ayres Domingues | Advogado de Di Ciero Advogados