A ausência de prevenção ao contágio da Covid-19 pelo empregador gera a rescisão indireta?
Em virtude da pandemia causada pela COVID-19, o risco de contaminação passou a ser um fator de grande preocupação nas relações de trabalho. Eventuais faltas de cuidados das empresas na prevenção ao contágio passaram a ser objeto de questionamento na Justiça do Trabalho. Surgiu, assim, a possibilidade de rescisão indireta em casos de negligência do empregador com relação às medidas de proteção contra o coronavírus.
De acordo com um levantamento do Tribunal Superior do Trabalho, nos últimos dois anos, em meio à crise sanitária, o Brasil teve mais de 250 mil novos processos trabalhistas sobre rescisão indireta. Foram cerca de 118 mil em 2020, além de 134 mil em 2021 — o que representou um aumento de 13,27%.
É certo que a rescisão indireta do contrato de trabalho pode ocorrer apenas se ficar evidenciada a negligência do empregador quanto à COVID-19. Isso, claro, partindo-se da ideia de que a empresa viola obrigações impostas por autoridades sanitárias, cuja conduta omissa acaba por submeter o empregado a correr perigo manifesto de mal considerável, tal como previsto na alínea ‘c’ do artigo 483 da CLT.
A rescisão indireta somente poderá ser reconhecida em juízo, após o ajuizamento de ação trabalhista pelo funcionário. Em caso de decisão favorável, o empregado recebe verbas rescisórias, como se o contrato de trabalho tivesse sido rescindido sem justo motivo.
Em outras palavras, caso a empresa não respeite os protocolos sanitários recomendados pelos órgãos de saúde e trabalho, o trabalhador pode pedir à Justiça do Trabalho todas as verbas rescisórias a que teria direito caso fosse dispensado sem justa causa. Isso porque o empregador está descumprindo o contrato de trabalho.
Já existem decisões recentes favoráveis a empregados em casos do tipo. No entanto, as ações relacionadas à COVID-19 na Justiça do Trabalho são recentes, e por isso não há entendimentos pacificados sobre o tema.
O empregador também pode responder judicialmente e até ser condenado a indenizar o trabalhador por danos morais se o funcionário passar por alguma humilhação ou for forçado a trabalhar de uma forma que possa lhe causar algum constrangimento, como, por exemplo, trabalhar contaminado pela COVID-19, o que não é razoável.
Entretanto, para que ocorra a rescisão indireta, deverá ser provado de forma robusta o nexo de causalidade dos fatos e a efetiva conduta negligente do empregador que cause perigo manifesto de mal considerável ao profissional. Principalmente, pois o trabalhador pode ser contaminado em quaisquer ambientes, e não apenas no profissional.
A Portaria Interministerial 14/2022, dos Ministérios da Saúde e do Trabalho e Previdência, publicada no último mês de janeiro, recomenda o afastamento por 10 (dez) dias do trabalho — a partir do início dos sintomas ou da coleta do teste — para casos confirmados e suspeitos de COVID-19, além de pessoas que tiveram contato próximo com quem testou positivo. Para casos confirmados, a empresa pode reduzir o afastamento para 7 (sete) dias, desde que o funcionário esteja sem febre há 24 horas, sem tomar medicamentos antitérmicos e apresente remissão dos sintomas respiratórios.
É importante que os empregadores zelem pela segurança e saúde dos trabalhadores, e, assim, evitem eventuais pedidos de rescisão indireta, já que a empresa tem o dever de fornecer todas as medidas de proteção contra a Covid-19, evitando que os funcionários sejam infectados naquele ambiente e propaguem a doença, o que inclui o fornecimento de equipamentos de segurança.
Também é importante respeitar os atestados fornecidos por médicos de serviço público, particulares ou de convênios quando se recomenda o afastamento do trabalhador em virtude da contaminação do vírus. Recomenda-se que a empresa comprove o que está fazendo para conter a propagação do vírus por meio de fichas de entregas de produtos e fotos, por exemplo.
Assim, para evitar situações que justifiquem a rescisão indireta, o empregador deverá criar e divulgar ampla e periodicamente políticas de prevenção à COVID-19 no ambiente de trabalho, tais como distanciamento, utilização de máscaras faciais e álcool gel, entre outras, além de exigir o comprovante de vacinação para prevenir casos graves da doença.
Rafael Inácio de Souza Neto | Advogado de Di Ciero Advogados
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