Confusão no ar: o que diz o ordenamento jurídico sobre como as companhias aéreas devem agir em relação a passageiros indisciplinados
Quando se trata de relações humanas, a imprevisibilidade é um elemento sempre presente, o que faz com que uma operação aérea que caminhava tranquilamente, de repente, seja afetada por um ato de indisciplina de alguns dos sujeitos que fazem parte daquele contrato de transporte aéreo que está sendo executado. Mas quais são as regras aplicáveis ao passageiro indisciplinado e as ferramentas da companhia aérea para não comprometer a segurança operacional?
Inicialmente, é importante trazer a definição de passageiro indisciplinado, contida no Decreto nº 7.168/2010, que dispõe sobre o Programa Nacional de Segurança da Aviação Civil Contra Atos de Interferência Ilícita (PNAVSEC):
“passageiro que não respeita as normas de conduta em um aeroporto ou a bordo de uma aeronave ou que não respeita as instruções do pessoal de aeroporto ou dos membros da tripulação e, por conseguinte, perturba a ordem e a disciplina no aeroporto ou a bordo da aeronave”.
Quando há alguma ocorrência em voos, no Brasil e no mundo, é necessária intervenção do comandante para que o bem maior da aviação civil, que é a segurança, não seja violado.O tema já vem sendo tratado pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, em seu artigo 168, estabelecendo que o Comandante, como autoridade máxima durante a operação do voo, pode determinar o desembarque de um passageiro que apresente conduta inadequada, oferecendo risco à segurança do voo, dos demais passageiros e da tripulação. Ele tem autonomia para tomar todas as providências necessárias para proteger a aeronave e todos que estão em seu interior.
Art. 168 Durante o período de tempo previsto no artigo 167, o Comandante exerce autoridade sobre as pessoas e coisas que se encontrem a bordo da aeronave e poderá:
I – desembarcar qualquer delas, desde que comprometa a boa ordem, a disciplina, ponha em risco a segurança da aeronave ou das pessoas e bens a bordo;
II – tomar as medidas necessárias à proteção da aeronave e das pessoas ou bens transportados;
III – alijar a carga ou parte dela, quando indispensável à segurança de vôo (artigo 16, § 3º).
Parágrafo único. O Comandante e o explorador da aeronave não serão responsáveis por prejuízos ou conseqüências decorrentes de adoção das medidas disciplinares previstas neste artigo, sem excesso de poder.
Além disso, a Resolução 400 da ANAC, que entrou em vigor em 14 de março de 2017, estabelece, em seu artigo 18[1], a obrigação do passageiro em atender as exigências relativas à execução do contrato de transporte, bem como obedecer aos avisos dados pela tripulação, sob pena de ter o seu embarque negado, ou até mesmo ser aplicada uma multa.
No que tange às normas e tratados internacionais, tanto o Anexo 17 da Convenção de Chicago, sendo esta convenção um dos diplomas legais mais importantes para o Direito Aeronáutico, quanto a própria Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), recomendam que os Estados tenham autonomia para estabelecer as normas de transporte de passageiros, priorizando a segurança do transporte aéreo. Uma das maneiras de garantir a segurança é possuir liberdade para restringir o transporte de passageiros que, reiteradamente, apresentam condutas inadequadas e não seguem as instruções da tripulação. Ou então que se descontrolam no momento do embarque, ou durante o voo, e ameaçam a segurança dos passageiros e tripulantes envolvidos naquela operação.
Além disso, existem dois projetos de lei em trâmite na Câmara dos Deputados: o PL 3111/2019 e o PL 6365/2019. O projeto de lei 3111/2019 prevê sanções para quem comprometa a boa ordem, a disciplina ou ponha em risco a segurança da aeronave ou das pessoas e bens a bordo. O projeto 6365/2019, por sua vez, foi apensado ao PL 3111/2019 e propõe alteração ao Código Brasileiro de Aeronáutica, com o objetivo de tipificar como crime a perturbação a bordo de aeronaves.
Portanto, é possível verificar que as regras atualmente vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, a regulamentação da ANAC, bem como as regras e recomendações da OACI reforçam a importância de se coibir as condutas de passageiros que possam colocar em risco a operação do serviço aéreo, bem como reforçam a responsabilidade da companhia aérea de impedir o embarque de tais passageiros.
[1] Art. 18. Para a execução do contrato de transporte, o passageiro deverá atender aos seguintes requisitos:
I – apresentar-se para embarque munido de documento de identificação civil e em horário estabelecido pelo transportador;
II – atender a todas as exigências relativas à execução do transporte, tais como a obtenção do visto correto de entrada, permanência, trânsito e certificados de vacinação exigidos pela legislação dos países de destino, escala e conexão;
III – obedecer aos avisos transmitidos pelo transportador.
Parágrafo único. O descumprimento de quaisquer dos requisitos deste artigo autorizará o transportador a negar embarque ao passageiro e aplicar eventuais multas.
Nicole Villa | Especialista em aviação – Di Ciero Advogados
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