Correção de nome e troca de titularidade: o que é ou não permitido pela legislação brasileira
Ao comprar um bilhete aéreo, seja diretamente com a companhia aérea, ou com uma agência de viagens, o passageiro precisa fornecer várias informações e preencher seus dados pessoais. Quais as medidas que podem ser tomadas caso o passageiro preencha seu nome de maneira equivocada, é possível alterar? Caso ele queira transferir a passagem aérea para outra pessoa, essa ação é permitida no Brasil?
As regras para correção de nome no bilhete aéreo estão previstas no artigo 8º da Resolução 400 da ANAC, que dispõe o seguinte:
Art. 8º O erro no preenchimento do nome, sobrenome ou agnome do passageiro deverá ser corrigido pelo transportador sem ônus ao passageiro.
§ 1º Caberá ao passageiro solicitar a correção até o momento do check-in.
§ 2º No caso de voo internacional que envolva operadores diferentes (interline), os custos da correção podem ser repassados ao passageiro.
§ 3º Não se aplica o disposto no §2º deste artigo nos casos em que o erro decorrer de fato imputado ao transportador.
§ 4º A correção do nome não altera o caráter pessoal e intransferível da passagem aérea.
O que se nota é que a correção no preenchimento do nome, mais especificamente falando sobre possíveis erros de digitação, ou o uso de nome de casado x nome de solteiro, é permitida e deve ser feita de maneira gratuita pela empresa aérea ou agência de viagens ao passageiro.
Vale ressaltar que isso não significa que essa providência não gere transtornos para as companhias aéreas, sobretudo nos bilhetes em que estejam envolvidas mais de uma empresa, pois isso gera impactos operacionais, há divergência de sistemas, dentre outros obstáculos. Ainda assim, foi entendido pela agência reguladora da aviação civil no Brasil que é uma medida importante e que deve ser feita quando solicitado pelo passageiro.
Entretanto, no que diz respeito à troca de titularidade de um bilhete aéreo, resta claro pelo parágrafo 4º do artigo 8º da Resolução 400, que a correção de nome não significa que é permitida a transferência de um bilhete para terceiros, uma vez que a passagem aérea possui caráter pessoal e intransferível.
É importante lembrar que a aviação é uma atividade de caráter global. Ou seja, as regras e práticas têm que estar em consonância com o que é feito no resto do mundo. Sendo assim, considerando que a segurança é a finalidade principal da aviação, a troca de titularidade de um bilhete aéreo pode favorecer a criação de um mercado paralelo de compra e venda de passagens aéreas, fazendo com que as empresas percam o controle de quem serão seus passageiros, estando mais sujeita a fraudes e a embarque de passageiros criminosos, por exemplo.
Ainda assim, não se pode negar que as inovações tecnológicas trazem muitos benefícios a todos os setores econômicos, e com a aviação não é diferente. A criação do e-ticket, o embarque por identificação facial já disponível na ponte aérea, dentre outros. Entretanto, o uso da tecnologia não pode comprometer a segurança na aviação.
Dentre essas tendências, destaca-se o NFTicket, que foi pauta inclusive no evento da ALTA Aviation Law, em setembro, no Rio de Janeiro. Essa forma de bilhete aéreo permite a transferência de titularidade entre passageiros, e já vem sendo utilizada em alguns países do mundo.
Além disso, há o projeto de lei PL 2.175/2022, proposto pelo Senador Mecias de Jesus (REPUBLICANOS/RR), que tem por objetivo alterar o Código Brasileiro de Aeronáutica, permitindo a transferência do bilhete aéreo para outro passageiro em até 72h antes do voo, nos seguintes termos:
Art. 228-A. O bilhete de passagem é impessoal permitindo a transferência para outro adquirente até 72 horas antes da data do voo.
§ 1º As informações pessoais que ficam registradas no sistema da empresa no ato da compra do bilhete de passagem deverão ser alteradas para fazer constar os dados pessoais do passageiro”.
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Veja que o projeto de lei demonstra, uma vez mais, que a falta de conhecimento dos membros do Poder Legislativo sobre o ordenamento jurídico brasileiro coloca em risco a recuperação e o desenvolvimento de um setor tão relevante para o Brasil como a aviação.
Se a própria ANAC veda essa prática, qual o embasamento deste projeto? Foram analisados os impactos legais e operacionais que essa alteração legislativa podem gerar? Merece destaque o seguinte trecho da justificativa utilizada pelo Senador:
Contudo, penso que a proposta de alterar a regra de troca de bilhete de passagem é possível de ser operacionalizada pelas empresas aéreas sem que isso afete as normas de segurança do voo. O fato é que, hoje, só as empresas aéreas saem ganhando prejudicando o necessário equilíbrio que deve existir na relação de consumo para evitar os abusos.
É evidente que as empresas aéreas não têm interesse em desequilibrar a relação entre elas em seus passageiros, e que elas não saem “ganhando”. Elas têm apenas mais segurança para realizar o transporte aéreo de passageiros, o que pode ser ameaçado com a livre transferência de titularidade de bilhetes.
Sendo assim, é importante que sejam consultadas as agências reguladoras e demais organizações com especialistas técnicos e operacionais no setor, para evitar que propostas como essas sejam feitas e tragam consequências severas ao transporte aéreo no Brasil.
Nicole Villa | Advogada de Di Ciero Advogados
Acompanhe Di Ciero Advogados também no Linkedin /dicieroadvogados