ESG e as novas relações de trabalho
Você sabe o que é Environmental, Social and Corporate Governance (ESG)?
Atualmente muitas empresas falam sobre esse termo, em especial, aquelas que são listadas na bolsa de valores oficial do Brasil, a B3. Porém, o termo foi popularizado em 2004 com a publicação do relatório Who Cares Wins, da Organização das Nações Unidas (ONU). Na década de 1950, empresas que desrespeitavam valores sociais viam seus investimentos reduzirem. Assim, campanhas de desinvestimento direcionavam recursos para aquelas que estavam realmente engajadas e preocupadas com questões sociais, ambientais e com boa governança corporativa. Tanto os consumidores como os trabalhadores de organizações de todos os setores observam o comportamento da empresa diante tais questões, o que impactava diretamente a reputação da companhia.
Após a criação de alguns mecanismos para avaliar as prioridades da empresa, como o Índice Dow Jones de Sustentabilidade e os Princípios para o Investimento Responsável, tornaram-se imperativas no mercado regras atreladas ao ESG para mensurar negócios, investimentos, financiamentos e até mesmo bonificações de altos executivos. Assim, ao mesmo tempo em que as empresas estão gerindo as suas atividades e os riscos inerentes a ela, instituem uma excelente oportunidade de inovação, essencial aos consumidores, investidores e financiadores como norte para a tomada de certas decisões.
No entanto, a cobrança não parte somente de consumidores, mas também dos trabalhadores, sendo possível identificar um movimento de mudança das relações de trabalho. Hoje, o colaborador não está atento apenas ao efetivo cumprimento das leis trabalhistas, mas exige também responsabilidade social da empresa com relação à sua força de trabalho. Com efeito, essa mudança de paradigma está refletida em diversas ações trabalhistas recentes, em que o foco não estava no pagamento de direitos não cumpridos, mas em questões sociais e condutas éticas que cada mais vez devem ser observadas e respeitadas no ambiente de trabalho.
Podemos citar o caso de uma trabalhadora que ajuizou uma reclamação trabalhista (AIRR-607-91.2017.5.06.0012) pleiteando redução de sua jornada de trabalho em 25%, sem redução correspondente de salário. Ela era responsável pelo tratamento médico de sua filha, com de síndrome de Down, e necessitava acompanhá-la diariamente a sessões e consultas, além de realizar os exercícios e procedimentos determinados pelos médicos. A empresa se defendeu, alegando que a redução de jornada sem a correspondente diminuição de salário não encontrava amparo legal e que a companhia já mantinha diversos benefícios e programas que atendem as necessidades da trabalhadora.
A decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT), e confirmada pelo Tribunal Superior do Trabalho, contudo, determinou a redução da carga horária em 25%, com direito a intervalo de 15 minutos, sem prejuízo do salário percebido. A Corte destacou que a redução da jornada de trabalho dos pais, principais cuidadores do filho com deficiência, sem prejuízo salarial e necessidade de compensação, é indispensável para garantir a máxima proteção ao menor. Foi levado em consideração, portanto, não apenas as regras trabalhistas, mas princípios constitucionais e convenções internacionais que protegem, também os direitos da pessoa com deficiência e os direitos da criança.
Outra decisão que merece destaque (0021161-22.2018.5.04.0512) foi de uma trabalhadora que, ao tomar conhecimento que estava grávida, solicitou alteração de seu turno de trabalho. Ela e o marido cumpriam a mesma jornada de trabalho, ambos no horário noturno. Como não há creches nesse período, nem a empresa disponibiliza tais serviços, ela pretendia a transferência para período diurno por questões econômicas e sociais. A empresa sustentou que não era obrigada a alterar a organização de seus turnos para atender à necessidade individual de uma colaboradora, respaldando-se, ainda, no poder diretivo do empregador e no princípio da livre iniciativa.
Você imagina qual foi o resultado da decisão? O TRT confirmou a sentença de origem, a qual garantiu à empregada o direito à alteração do turno, bem como a indenização por danos morais, ao argumento de que o poder diretivo do empregador não seria um direito absoluto a impedir o exercício de outros por parte dos empregados, especialmente do direito à proteção ao trabalho da mulher, à maternidade e à infância. Ademais, foi usado o princípio da função social da propriedade e da empresa para garantir condições dignas de trabalho, respeitando os direitos individuais, sociais e trabalhistas.
Como foi possível observar nos litígios citados, tanto os pedidos como as decisões estão fundamentadas em princípios constitucionais gerais, e não apenas aqueles vinculados à proteção ao trabalho, como ao princípio da dignidade da pessoa humana, da responsabilidade social da empresa, da proteção ao direito da criança e do adolescente, além de aplicabilidade de conceitos previstos em convenções internacionais, elevando as relações de trabalho a um novo patamar, em que o direito deixa de ser apenas do trabalhador, mas passa a ser de toda a sociedade. Nesse aspecto, vale ressaltar que a responsabilidade social da empresa é uma via de mão dupla, pois ao mesmo tempo em que dela é exigido um comportamento ético e responsável, cabe também exigir de seus colaboradores idênticos comportamentos, dentro e fora da empresa.
Nessa esteira, também temos visto diversas decisões proferidas por tribunais que confirmam dispensas e penalidades aplicadas por empresas a seus colaboradores por não estarem alinhados com seus valores éticos. Podemos citar como exemplos o caso de uma companhia aérea que dispensou o empregado por assediar mulheres em postagens em rede social, outra empresa que dispensou o funcionário por postagens machistas e misóginas e a empresa de entretenimento que demitiu um profissional por postagens inapropriadas antivacinas, negacionistas e questões sobre nazismo.
Portanto, embora a responsabilidade ambiental e governança tenham uma maior visibilidade, questões sociais de diversidade e inclusão também merecem especial atenção, principalmente dos responsáveis pelos cumprimentos desses critérios. A promoção do bem-estar social, saúde psicológica, ambiente acolhedor, possibilidade de oferecer oportunidades iguais e representatividade também devem ganhar destaque na tomada de decisões.
Diante disso, podemos concluir que empresas que já observam as regras e estão em conformidade com os critérios gerais de ESG têm uma evidente vantagem competitiva, não só no que diz respeito à reputação e à credibilidade da companhia, mas ao acesso a pessoal e capital cada vez mais qualificado. Ser uma empresa cumpridora das leis já não é o suficiente. É preciso ser responsável socialmente e, acima de tudo, ética e transparente nas suas relações pessoais, inaugurado uma nova era nas relações de trabalho.
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Rafael Inácio de Souza Neto | Advogado de Di Ciero Advogados
Isabella Luz Mendonça | Estagiária de Di Ciero Advogados
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