O futuro é agora: como a subordinação por algoritmo está moldando as novas formas de trabalho
Estamos na era dos aplicativos e da evolução da tecnologia, na qual ficamos conectados à internet o tempo todo. Como consequência, surge a necessidade da flexibilização do Direito do Trabalho e de novas modalidades de contratação, como o teletrabalho, o trabalho por tempo parcial, o trabalho intermitente, entre outros.
As transformações nas relações pessoais, novas dinâmicas configuradas pela tecnologia e possibilidades de modernizações nos diversos tipos de trabalho acabaram por exigir novos conceitos, novos pensamentos e novas interpretações. Nesse contexto, surge o crowdwork, que parte do conceito de “trabalho em multidão” ou “colaboração coletiva”. É o trabalho do século XXI e como exemplo podemos citar o Uber, o Ifood, o Rappi e outros serviços.
A maioria desses serviços, é prestada de forma flexível e baseia-se na autonomia e independência do prestador de serviço. O desafio que o Direito do Trabalho enfrenta atualmente é enquadrar, ou não, essas espécies de prestações de serviço em novas formas de subordinação que acontecem através de um algoritmo, já que a prestação do serviço seguirá as instruções da plataforma.
Feitas essas considerações, é importante destacar que, entre os requisitos que configuram a relação de emprego, a subordinação jurídica desempenha um papel fundamental para o reconhecimento da relação de emprego.
Recentemente, a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (Ceará) manteve a decisão de primeiro grau que julgou improcedente o pedido de um trabalhador que pleiteava o reconhecimento de vínculo de emprego com a empresa Uber. Na primeira instância, o juiz, ao proferir a sentença, entendeu que o trabalhador possuía liberdade tanto para escolher os dias e horários de trabalho quanto recusar viagens, e, nesse cenário, não restaria caracterizada a subordinação na prestação de serviços. A decisão foi validada na segunda instância.
Por outro lado, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul) não só reconheceu o vínculo de emprego entre o motorista de aplicativo e a empresa Uber, como também a condenou no pagamento de uma indenização por danos sociais. A ação foi julgada improcedente no primeiro grau. Contudo, a instância superior reformou a decisão por entender que o vínculo de emprego foi mascarado e fraudado por meio de algoritmos. Em seu voto, o desembargador relator destacou que o controle e a subordinação realizados pelo algoritmo são mais eficazes do que os tradicionais métodos contidos na clássica relação de emprego, nos moldes dos artigos 2º e 3º da CLT.
Como se vê, no Brasil, assim como em vários países, a dificuldade em construir uma proteção adequada a esses trabalhadores repousa no fato de que, via de regra, apenas os trabalhadores com vínculo empregatício estão sob a proteção integral do Direito do Trabalho.
Logo, a realidade é que aqueles que trabalham por meio de plataformas digitais, hoje ficam submetidos à insegurança jurídica, pois, se por um lado é defensável que eles não possuem direitos trabalhistas, por outro, não é aceitável que sejam regidos pelo Direito Civil, cuja principal premissa de incidência repousa na condição de igualdade entre as partes, que, nesse caso, salvo melhor juízo, inexiste.
Assim, cabe destacar a importância de um estudo aprofundado sobre o verdadeiro conceito de subordinação, inclusive sob a ótica dos diversos meios de controle trazidos com as novidades digitais.
Com efeito, em razão do avanço da quarta revolução industrial, novas formas de trabalho estão surgindo, e, por conseguinte, a subordinação clássica dos contratos de trabalho também tem passado por uma metamorfose. Aliás, a partir da compreensão da essência do referido instituto, se mostra plausível conceber, de forma clara, quais seriam os trabalhadores que efetivamente possuem essa liberdade e autonomia para executar o seu trabalho, em relação àqueles sujeitos ao gerenciamento do empregador.
Vale destacar, por oportuno, que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) foi provocado para validar e autorizar um pedido de perícia técnica no algoritmo da empresa Uber, que havia sido deferida pelo juízo de primeira instância e mantido pelo tribunal regional. O objetivo de tal procedimento era de verificar se havia a presença dos componentes para a caracterização do vínculo de emprego. A empresa Uber, no entanto, requereu uma tutela cautelar de urgência com pedido de efeito suspensivo ao recurso, até que houvesse o julgamento do mérito. O ministro Douglas Alencar, do TST, deferiu a tutela de urgência, em particular por se tratar de uma matéria de alta complexidade.
Além disso, TST já emitiu um juízo de valor sobre a temática envolvendo a questão da subordinação e reconhecimento do vínculo de emprego, entre o motorista e a plataforma. A decisão foi no sentido de inexistir subordinação jurídica, e, por conseguinte, não haver relação de emprego, a qual nos parece ser a mais acertada.
É notório que ainda existem questões a serem melhor desenvolvidas acerca dessa nova forma de trabalho por meio de aplicativos. A título de exemplo, podemos mencionar os benefícios que foram concedidos aos motoristas da Uber no Reino Unido, como o salário mínimo, férias e pensão.
Evidentemente, os tempos atuais exigem novas atitudes. No entanto, essas modificações não devem acarretar um retrocesso social, principalmente sob o fundamento da autonomia da vontade e crescimento da economia. Essas soluções devem ser elaboradas, sobretudo do ponto de vista legislativo, observando os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição Federal, assim como os direitos e garantias fundamentais, os direitos sociais e a saúde desses trabalhadores, para que, ao final, seja encontrado um equilíbrio.
Portanto, é indiscutível que a tecnologia já trouxe e, com o tempo, trará cada vez mais, fortes impactos nas formas de trabalho. Contudo, é preciso que sejam elaboradas soluções jurídicas práticas, visando adequar o Direito do Trabalho à sociedade atual.
Rafael Inácio de Souza Neto | Especialista em Direito do Trabalho Empresarial – Di Ciero Advogados