Os desafios da produção de combustíveis sustentáveis para aviação

Recentemente, durante uma conferência de imprensa na sede das United Nations, em Nova Iorque, o Secretário Geral da ONU, António Guterres, afirmou que a era do aquecimento global deu lugar à era da ebulição global. A declaração de Guterres é baseada no resultado de estudos científicos realizados pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) e pelo Serviço Copernicus da Comissão Europeia, evidenciando que o mês de julho de 2023 foi o mais quente já registrado.  Entretanto,  Guterres disse acreditar que essa situação  seja reversível, caso haja a tomada urgente de medidas drásticas e imediatas.

A Universidade de Manchester no Reino Unido coletou dados durante os anos 2000 a 2018 e chegou na conclusão de que, naquele período, a aviação civil contribui com 3,5% do total de emissões de CO2 na atmosfera, além de aumentar poluição sonora e térmica. Contudo, medidas internacionais para regulação e busca de operações mais sustentáveis são pautas discutidas há alguns anos pela International Civil Aviation Organization (OACI | Organização da Ação Civil Internacional), assim como a elaboração do CORSIA e a realização da CAAF (Conferência sobre Aviação e Combustíveis Alternativos), a qual já teve duas edições, a primeira sediada no Brasil e a segunda, no México, com uma terceira edição aguardada para novembro deste ano. Como membro fundador, dispondo de uma Delegação Permanente no Conselho da OACI e eleito sucessivamente Membro do Grupo I do Conselho, o Brasil participa ativamente nas discussões, elaborações de normas e recomendações técnicas emitidas pela organização.

O CORSIA (Esquema de Compensação e Redução de Carbono para Aviação Internacional) é um esquema global desenvolvido pela OACI para mitigar o impacto ambiental da aviação por meio de uma cesta de medidas que incluem a aquisição de créditos de carbono. A inclusão do CORSIA no Brasil se encontra na Resolução nº 496, de 28 de novembro de 2018, que determina as diretrizes necessárias para que os operadores cumpram os requisitos do programa.

Outrossim, a CAAF reúne especialistas e representantes de diversos países para discutir temas relacionados à aviação e à implementação de tecnologias que corroborem esse objetivo. Em sua primeira edição, organizada pela ANAC em conjunto com a OACI em 2009, foi reconhecida a urgência na adoção de ações efetivas para reduzir a pegada de carbono pela aviação internacional e a necessidade de pesquisa e desenvolvimento sobre combustíveis alternativos.

Já na segunda CAAF, em 2017, foi debatida a substituição significativa dos combustíveis convencionais da aviação (CAF) pelos sustentáveis (SAF) até 2050, a necessidade da realização da CAAF 3 antes de 2025, a atualização do GAAF (Global Framework for Aviation Alternative Fuels) que possui uma variedade de informações, pesquisas e dados sobre os diferentes tipos de combustíveis datados a partir de 2005. Também foi discutida a importância do apoio dos Estados no desenvolvimento e implementação de políticas que facilitem o acesso a recursos, tecnologias e colaborações para a aplicação dos SAFs.

A terceira CAAF ocorrerá nos dias 20 a 24 de novembro e será sediada em Dubai. O evento terá como pauta metas quantitativas e coletivas para implementação dos combustíveis sustentáveis para aviação (SAF) e dos Combustíveis de Aviação com Menos Carbono (Lower Carbon Aviation Fuels – LCAF), a partir de políticas públicas levando em consideração a iniciativa No Country Left Behind (NCLB), a qual busca a inclusão de todos os países na implementação das políticas definidas pelo CAAF3. Como atualmente a produção desse tipo de combustível encontra-se abaixo das necessidades do setor, será debatida a adoção de medidas de suporte financeiro e não financeiro pelos Estados para gerar uma maior cadeia de abastecimento em níveis regionais/nacionais, além da revisão da ideia de substituição dos combustíveis até 2050. Ademais dos benefícios ao meio ambiente trazidos pela implementação dos combustíveis sustentáveis, também se espera um aumento na empregabilidade, tanto nas empresas produtoras dessas energias renováveis quanto nas manufatureiras que terão que entregar aeronaves com certificado de operação 100% compatível com a utilização desses combustíveis até 2030.

Nos dias 11 e 13 de julho ocorreu um evento preparatório para a 3° edição da CAAF chamado #ICAOStocktaking 2023 em Montreal. A ANAC junto cm o Ministério de Relações Exteriores esteve presente e moderou painéis sobre promoção desses combustíveis e sobre financiamento para alavancar a produção em nível mundial. Atualmente, não há produção de SAF no Brasil, mas estudos mostram que o país tem capacidade para atender 100% da demanda de combustíveis até 2030. O dado justifica o papel de liderança do Brasil nesse tema. Aguarda-se também a realização do segundo evento pré-CAAF3 nos dias 23 a 25 de setembro, que discutirá novamente os temas do primeiro evento.

A questão da descarbonização já se encontra presente na atuação das companhias aéreas e das produtoras de combustíveis brasileiras. Um dos principais dilemas suscitados pelo vice-presidente sênior da S&P Global Commodity Insights, Carlos Pascual, é qual será a estratégia de atuação adotada pelo país: a produção de SAF ou a exportação de matéria-prima para a sua produção? Em ambas opções o Brasil possui grande potencial, mas Pascual apresenta a possibilidade de benefício dos produtores brasileiros a partir da Lei de Redução de Inflação (IRA) proposta por Joe Biden, além do programa SAF Grand Challenge Roadmap, do Departamento de Energia (DoE) dos EUA, que visa a estimulação da produção de SAF por meio de subsídios. Outrossim, o vice-presidente destaca que a exportação de matéria-prima resulta na venda de produtos de baixo valor agregado para, posteriormente, comprarmos combustíveis por um valor maior.

Nesse sentido, ele destaca a possibilidade do Brasil se tornar uma liderança na produção desses combustíveis a partir de um marco legal para incentivar essa cadeia de produção, que se encontra no projeto de lei do Executivo do Programa de Combustível do Futuro. Essa proposta busca estabelecer uma redução de CO2 no mínimo em 1% aos operadores, passando a valer em 2027 em voos domésticos.

Simone Di Ciero | Sócia de Di Ciero Advogados

Beatriz Gulla | Estagiária de Di Ciero Advogados