Porque as companhias aéreas não devem recolher IPVA
A reforma tributária, aprovada em julho na Câmara dos Deputados e atualmente em tramitação no Senado Federal, propõe a não incidência de IPVA sobre a propriedade de aeronaves da aviação comercial.
Neste artigo, Gustavo Maia, da equipe Di Ciero Advogados, explica o porquê.
O transporte de cargas e passageiros é espécie contratual na qual uma parte se obriga a transportar algo ou alguém até o destino acordado e a outra parte é responsável pela contraprestação em pecúnia. Assim, por possuir natureza jurídica contratual de prestação de serviços, é regulado pelo Código Civil e Código de Defesa do Consumidor.
Esta modalidade contratual difere das demais por ter lei específica, qual seja o Código Aeronáutico Brasileiro, que regula o tráfego aéreo no território nacional. Esta mesma lei atribui à Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) o papel de regulamentação e fiscalização da atividade aeronáutica.
A definição e regulamentação do espaço aéreo ganhou relevância principalmente a partir da Segunda Guerra Mundial, onde aeronaves eram usadas para bombardeios e ataques às nações. Por tal motivo, ficou definido que o trânsito aéreo é campo de regulamentação exclusiva do Estado, em obediência à soberania nacional de cada país.
Justamente nesse ponto, o artigo 11 do Código Aeronáutico define que “O Brasil exerce completa e exclusiva soberania sobre o espaço aéreo acima de seu território e mar territorial”. Assim, por raciocínio lógico, a prática comercial do transporte aéreo está condicionada obrigatoriamente à autorização do Estado brasileiro.
O contrato de transporte aéreo tanto de passageiros, quanto de cargas, encontra-se regulado no Título VI, capítulo V do Código Aeronáutico Brasileiro, a partir do artigo 174-A, que diz o seguinte:
Art. 174-A. Os serviços aéreos são considerados atividades econômicas de interesse público submetidas à regulação da autoridade de aviação civil, na forma da legislação específica. (Incluído pela Lei nº 14.368, de 2022)
Parágrafo único. As normas regulatórias da autoridade de aviação civil disporão sobre os serviços aéreos regulares e não regulares, observados os acordos internacionais dos quais a República Federativa do Brasil seja signatária. (Incluído pela Lei nº 14.368, de 2022)
Desta forma, percebe-se que a leitura do artigo 174-A está em consonância com o disposto no artigo 11, de modo que a prática comercial do serviço aéreo é de interesse público e deve obedecer às disposições da agência regulatória (ANAC). E, neste sentido, o artigo 203 permite a prática comercial deste mesmo serviço público por empresas nacionais ou internacionais.
Art. 203. Os serviços de transporte aéreo internacional podem ser realizados por empresas nacionais ou estrangeiras. (Redação dada pela Lei nº 14.368, de 2022)
A partir disso, é possível conceber identidade entre a prática comercial de transporte público de cargas e passageiros e o transporte privado, a fim de assegurar a não incidência do IPVA prevista no texto da Reforma Tributária, aprovada este ano na Câmara dos Deputados e em tramitação atualmente no Senado Federal.
Diante da natureza de ordem pública do serviço prestado pelas companhias aéreas e do notório interesse estatal na prática desta atividade econômica, deve ser assegurada às empresas que exercem o transporte aéreo de cargas e passageiros a não incidência sobre a propriedade de aeronaves.
Ademais, a tributação sobre a propriedade de aeronaves causaria um enorme gasto inédito às companhias, de modo que, além de prejudicar o cenário econômico nacional e internacional, contribuiria para o aumento no preço das passagens, o que, por efeito cascata, prejudicaria também o próprio interesse público no exercício dessa atividade tão importante para o país. É dizer, o Estado estaria indo contra seus próprios interesses.
Gustavo Maia | Advogado de Di Ciero Advogados