REFORMA TRIBUTÁRIA: a revogação da isenção do PIS e da Cofins e a incidência do IBS e da CBS no transporte aéreo internacional
O PLP nº 68/2024 dispõe que a prestação do serviço de transporte por pessoa jurídica domiciliada no país ou no exterior está sujeita à incidência do IBS e da CBS. Segundo o texto, o fato gerador do IBS e da CBS ocorrerá no início do transporte, quando este se iniciar no Brasil, e no término do transporte, quando o serviço for iniciado no exterior (art. 3º, II, “c”, III, V; art. 4º, I, § 1º, VIII, e § 2º; art. 10, I e parágrafo único, I e II, art. 11, VI e VII; art. 12 e art. 21).
A tentativa de tributar o serviço de transporte aéreo internacional de passageiros e carga não é uma novidade que surgiu com a reforma tributária. Para entender este contexto e avaliar possíveis soluções, é necessário analisar separadamente os tributos atualmente em vigor, isto é, o ICMS (que será substituído pelo IBS) e o PIS e a COFINS (que serão substituídos pela CBS).
Ao regulamentar o ICMS, a Lei Complementar nº 87/1996 determinou a incidência do imposto sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal de pessoas e cargas em qualquer via. Na ocasião, os Estados e o Distrito Federal começaram a cobrar das empresas aéreas o ICMS sobre a prestação do serviço de transporte aéreo de cargas e passageiros, fosse ele intermunicipal, interestadual ou internacional.
Foi então que, no dia 05/05/1997, a Procuradoria-Geral da República, atendendo à representação formulada pelo SNEA, ajuizou no STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.600, objetivando excluir a navegação aérea do rol de incidência do ICMS previsto na Lei Complementar nº 87/96.
Quatro anos mais tarde, o Tribunal Pleno do STF julgou parcialmente procedente o pedido da ADI para declarar inconstitucional a incidência do ICMS sobre a prestação do serviço de transporte aéreo de passageiros, seja intermunicipal, interestadual ou internacional, e sobre o transporte aéreo de cargas, mas, neste último caso, apenas internacional (o transporte de cargas dentro do território nacional permaneceu sofrendo a incidência do tributo).
Muitas empresas aéreas estrangeiras, apesar de beneficiadas com a decisão, estavam também amparadas por tratados internacionais para evitar a dupla tributação. Todavia, há uma longa discussão sobre a aplicabilidade e extensão dos referidos tratados, bem como outras formas de comprovação da reciprocidade de tratamento, o que poderá agora ser totalmente revogado, como veremos abaixo.
A Emenda Constitucional nº 132/2023, que deu início à reforma tributária no Brasil, inseriu o art. 156-A, § 6º, V, na Constituição Federal, determinando que lei complementar estabelecerá regimes específicos para operações alcançadas por tratado ou convenção internacional.
Por sua vez, o Projeto de Lei Complementar PLP nº 68/2024 dispôs apenas que a aplicação do IBS e da CBS aos tratados ou convenções internacionais será regulada por ato conjunto da autoridade máxima do Ministério da Fazenda e do Comitê gestor do IBS, ouvido o Ministério das Relações Exteriores (art. 288).
Note-se que o projeto de lei não trouxe maiores disposições sobre os tratados ou sobre a isenção dos tributos, o que pode prejudicar as empresas aéreas estrangeiras, em especial em razão da revogação do art. 14, V e § 1º da Medida Provisória nº 2.158-35/2001, que atualmente isenta do PIS e da COFINS as receitas do transporte internacional de cargas ou passageiros.
Para explicar os malefícios dessa revogação sem texto semelhante no projeto, vale voltar um pouco ao passado, relembrando que as empresas aéreas estrangeiras sofreram autuações da Receita Federal para cobrança dos referidos tributos sob a alegação de que as contribuições não estavam previstas nos tratados internacionais.
Após longas discussões com o Governo, foi editada a Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, que concedeu a isenção (que está sendo revogada pela reforma tributária) das receitas do transporte aéreo internacional de cargas ou passageiros. Como o período anterior à isenção gerou um passivo tributário expressivo para as empresas aéreas, o Governo editou, em 2002, a Medida Provisória nº 67/2002, posteriormente convertida na Lei nº 10.560/02, que concedeu a remissão (perdão) dos débitos correspondentes ao PIS e à COFINS às empresas aéreas, ressalvando que a extensão da remissão às empresas estrangeiras dependeria de celebração de acordo com o país de seu domicílio, no qual restasse comprovada a reciprocidade de tratamento às empresas aéreas brasileiras.
Todavia, ainda assim a Receita Federal encontrou entraves à efetiva remissão dos débitos. Somente em 2004, por fim, a Lei nº 10.560/2002 foi alterada, inserindo-se o esclarecimento de que seria considerado acordo “qualquer forma de ajuste entre os países interessados” e não apenas os acordos formais para evitar a dupla tributação.
Todo este arcabouço normativo está sendo agora revogado sem norma semelhante na reforma tributária, já que o Projeto de Lei Complementar PLP nº 68/2024 dispôs apenas que a aplicação do IBS e da CBS aos tratados ou convenções internacionais será regulada por ato conjunto da autoridade máxima do Ministério da Fazenda e do Comitê gestor do IBS, ouvido o Ministério das Relações Exteriores.
Diante do atual cenário da reforma tributária, além dos esforços que já vêm sendo implementados no sentido de alteração do projeto de lei para equiparação do transporte aéreo internacional à exportação, é igualmente importante que as empresas aéreas estejam atentas à possibilidade de alteração (ou inclusão de texto) no art. 288 do PLP nº 68/2024, para constar que as operações vinculadas ao transporte aéreo internacional serão isentas da CBS e do IBS sempre que comprovada a reciprocidade de tratamento, o que inclui qualquer forma de ajuste entre os países interessados, tal como disposto no art. 4º, §§ 1º e 3º, da Lei nº 10.560/2002.
Vanessa Ferraz Coutinho | Sócia de Di Ciero Advogados