STF proíbe alíquota de ICMS maior para energia e telefonia com base no princípio da seletividade
O Supremo Tribunal Federal, por oito votos a três, finalizou o julgamento do mérito do RE 714.139/SC e aprovou o Tema 745 de repercussão geral, declarando inconstitucional lei estadual que impõe alíquota de ICMS para os serviços de energia elétrica e telecomunicações superior à alíquota geral.
O argumento que embasou a decisão foi a violação dos princípios da seletividade e da essencialidade, bem como a violação do princípio da capacidade contributiva, princípio basilar do direito tributário no ordenamento jurídico brasileiro.
De acordo com o Supremo, “adotada, pelo legislador estadual, a técnica da seletividade em relação ao ICMS, discrepam do figurino constitucional alíquotas sobre as operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral, considerada a essencialidade dos bens e serviços”.
Prevaleceu, portanto, o entendimento do relator Ministro Marco Aurélio, que em seu voto entendeu pela importância dos serviços de energia elétrica e telecomunicações para a sociedade, de modo que deveriam ser respeitados os princípios da capacidade contributiva e da seletividade.
Nas palavras do Ministro, “O acréscimo na tributação não gera realocação dos recursos, porquanto insubstituíveis os itens. Daí a necessária harmonia com o desenho constitucional, presente a fragilidade do contribuinte frente à elevação da carga tributária. Conforme fiz ver no julgamento do recurso extraordinário 1.043.313, pleno, relator ministro Dias Toffoli, ‘a corda não pode arrebentar do lado mais fraco'”.
Ademais, acrescentou que, “levando em conta a calibragem das alíquotas instituídas pela norma local, impõe-se o reenquadramento jurisdicional da imposição tributária sobre a energia elétrica e os serviços de telecomunicação, fazendo incidir a alíquota geral, de 17%. Não se trata de anômala atuação legislativa do Judiciário. Ao contrário, o que se tem é glosa do excesso e, consequentemente, a recondução da carga tributária ao padrão geral, observadas as balizas fixadas pelo legislador comum”, completou.
Nesse sentido, para esclarecimento do tema, o princípio da capacidade contributiva está previsto no art. 145, §1º da Constituição Federal e deriva do princípio da igualdade, trazendo uma ideia de justiça tributária, pois define que a tributação deve, sempre que possível, levar em consideração as condições pessoais de cada contribuinte, onerando quem tem maior poder econômico e desonerando quem possuimenor poder econômico.
Com o mesmo objetivo de justiça fiscal, o princípio da seletividade, previsto no art. 153, § 3º, I da Carta Magna c/c o art. 48 do Código Tributário Nacional, define que a alíquota do imposto deve variar de acordo com a essencialidade do bem. Ou seja, quanto mais essencial o bem, menor será sua alíquota, e quanto mais supérfluo o bem, maior será sua alíquota.
Tal princípio incide sobre os impostos sobre o consumo – IPI e ICMS. Contudo, vale ressaltar que no IPI ele é obrigatório em todos os casos, e no ICMS ele é facultativo, devendo, portanto, ser analisado no caso concreto a necessidade ou não da incidência desse princípio. E foi exatamente o que o Supremo Tribunal Federal fez nesse caso.
O Julgamento se deu no caso concreto da Empresa Lojas Americanas, quando esta questionou por meio de Mandado de Segurança o art. 19, inciso II, alíneas “a” e “c” da Lei Estadual 10.297/96 de Santa Catarina, em que incidia a alíquota de 25% de ICMS nos serviços de energia elétrica e telecomunicações – superior aos 17% aplicáveis a maioria das demais atividades econômicas. De acordo com a empresa, não é razoável que a tributação de energia e telefonia possua percentualmente superior à de mercadorias como bebidas alcoólicas e fumo, pois violaria os princípios da seletividade e essencialidade.
O Estado de Santa Catarina argumentou no sentido de não violar o princípio da isonomia, pois a Lei em questão levava em consideração a capacidade econômica de cada contribuinte. Da mesma forma, sustentou pela não violação do princípio da seletividade, pois a alíquota acima da regra geral possui a finalidade de desestimular o consumo e desperdício de energia elétrica.
O Mandado de Segurança teve a ordem negada em primeira e segunda instância, chegando o caso ao Supremo por meio de Recurso Extraordinário, que entendeu ser caso de repercussão geral.
Como o julgamento se deu em controle incidental de constitucionalidade, isto é, no caso concreto, o efeito da decisão será Inter partes, afetando, portanto, apenas as partes do processo. No entanto, como o Supremo reconheceu a repercussão geral do caso, tal decisão vincula os demais membros do poder judiciário, o que abre precedente para que mais casos como esse possam ser ajuizados daqui para frente.
A decisão do STF é uma vitória de grande impacto para o contribuinte, que terá maior segurança jurídica nos casos de incidência do ICMS nos serviços de energia elétrica e telecomunicações, e do consumidor final, que terá maior acesso a esses serviços extremamente essenciais ao dia a dia, afinal, é quem suporta o ônus da carga tributária.
Apesar disso, devem ser analisadas com cautela as vantagens da busca ao judiciário para pleitear a redução da alíquota e a restituição dos valores indevidamente pagos, levando-se em conta outros elementos e especificidades da atividade desempenhada pelo contribuinte, pois, por exemplo, o setor industrial pode se creditar do ICMS recolhido.
Sobre o impacto aos cofres públicos, estima-se que cerca de R$ 26,7 bilhões deixem de ser arrecadados por ano, o que fez com que o Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda, Finanças, Receita e Tributação dos Estados e Distrito Federal (Comsefaz) enviasse uma carta aos ministros do STF pedindo a modulação dos efeitos para que a decisão passe a valer a partir de 2024, ficando, dessa forma, alinhada aos Planos Plurianuais (PPAs). (Fonte: Valor Econômico)
Os ministros ainda vão analisar a proposta de modulação dos efeitos feita pelo Ministro Dias Toffoli, acompanhado pelo Ministro Nunes Marques.
Felipe Medina | Advogado de Di Ciero Advogados
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